quarta-feira, 26 de novembro de 2008

As Praias e Os Fortes


Creio que as pessoas motivadas, inteligentes e que possuem um diferencial estão acostumadas e dispostas a encarar desafios nos passos que dão em suas vidas. E em determinado momento, conseguem até gostar desse desafio, pois é algo que coloca em prova a própria capacidade de julgamento, habilidade e determinação.

Eu modestamente creio que faço parte desse grupo de pessoas e vejo que em muitos casos, paradoxalmente, há certo problema quando determinado desafio é superado.

Ora, mas por quê? Quando transpomos obstáculos não era pra nos darmos por satisfeitos?

Acontece que o ser humano em sua bela complexidade, não funciona sempre de acordo com as leis da lógica mais simples.

Pode fazer muito sentido ficar feliz em superar os obstáculos e desfrutar desse mérito, mas também é compreensível uma sensação de marasmo quando os desafios são quebrados. Por que será?

Cabem milhares de analogias aqui. Pra uma criança, é como jogar um jogo, e nesse jogo, já conseguimos matar o chefe final. É fato que depois disso, o jogo não é tão interessante assim, pois já foi desvendado, esmiuçado, e agora já se conhecem seus segredos e periculosidades.

Com pessoas já não é tão fácil resumir essa lógica em “jogo novo” e “jogo finalizado”. A falta de fatores que desencadeiam em você o desejo de superação pode refletir inconscientemente como um perigoso alerta que diz que, na situação em que se encontra, está carente de motivação, de algo novo e instigante, sugerindo um pseudo-comodismo e a maldita sensação de rotina, pois disseram pra você: “No pain, no gain”, “Vem fácil, vai fácil”, “Tudo que é com esforço é mais gostoso”.

E eu concordo. “No pain, no gain” mesmo! Só que devemos ficar alertas para não cairmos na armadilha de colocar o prazer de superar nossos desafios acima do prazer da real recompensa por superá-los, pois caso contrário, viveremos numa constante tormenta.

Voltando às analogias, geralmente os colonizadores e conquistadores construíam fortes nos lugares que dominavam, principalmente nas praias e regiões costeiras, já que normalmente era por essas áreas que começava uma invasão.

Creio que somos como praias desertas, muitos quilômetros de costa esperando para serem colonizados. Nas relações entre as pessoas e em suas ambições individuais, manter o ânimo e interesse pela praia pela qual tanto brigou, é que vale a pena. Prazer é possuir, usufruir e necessariamente cuidar dela, mesmo que nesses dias não sinta a vibração do desafio dos tempos em que precisava lutar para dominá-la.

Enquanto o forte bem construído proteger a praia, não há invasor capaz e assim a praia se mantém inteiramente sua, por todas as suas marés.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

The Golden Era: Rivalidades de Ouro

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Por incrível que pareça, neste domingo passado, com o quase título do Massa na F1, senti um leve gostinho dos tempos áureos da mais charmosa e importante categoria do automobilismo.

Veja bem, eu disse só um gostinho. Nada de frenagens loucas, ultrapassagens absurdas, cenas inusitadas entre pilotos... mas o clima de tensão e ligeira euforia das últimas voltas em Interlagos remeteram ao que sentíamos ao ligar a tv naqueles tempos. Infelizmente não deu pro Massa, mas acho que ele ainda rende um bolo na proxima temporada.

Inevitavelmente, após a corrida, me dá o saudosismo e vou ver meus vídeos sobre a Golden Era da F1. E aí toco num assunto delicado: Quem era "o cara", o maior de todos os tempos?

E chego a seguinte conclusão: Ayrton Senna.

Isso pode parecer óbvio pra muita gente, mas não é e explicarei o motivo. Porque a maioria dos fãs do Ayrton achavam que ele pilotava mais que qualquer um e pronto. Só que as coisas na Fórmula 1 não são assim. Em termos de genialidade, Piquet e Senna estavam no mesmo nível. Prost também. Mansell não, estava num segundo escalão, mas a foto ficou bacana... altas rivalidades!

Shumacher é um capítulo a parte apenas porque tem 7 títulos mundiais, correndo sem adversários. É um excelente piloto, enquadrado no mesmo nível de Mansell (só que o inglês era muito mais digno - e louco), Alonso e Barrichello (completamente subestimado, graças a sua grande covardia).

No primeiro escalão, a diferença de Senna para Piquet, Fangio, Clark, Prost, Fittipaldi, Villeneuve, Stewart e Lauda, é que pra Senna aconteceram coisas, fatos que o obrigaram a explorar o seu potencial máximo e também seu carisma, situações que o levaram a forçar o seu limite, situações pitorescas e tantas outras peculiaridades características de um gênio. Posso citar 10 com exemplo:


1 - Ser um piloto que adora chuva e pista molhada e anda excepcionalmente bem nela é algo impressionante. Tecnicamente e psicologicamente.

2 - Interlagos 91' - Um piloto brasileiro não ganhava o Gp do Brasil há 5 anos (Piquet em 1986 em Jacarepaguá - em Interlagos desde 1975, com José Carlos Pace). A caixa de mudança de Senna quebra, ele leva a corrida com extrema perícia, só com a 4ª e 6ª marchas. Patrese se aproxima ferozmente, mas faltando pouco pra acabar a corrida (e Patrese o ultrapassar) chove em Interlagos e aí vide nº1. Nunca se viu uma torcida invadir (perigosamente) uma pista daquela forma. Algo único.

3 - Suzuka 88' - Nervoso na largada, Senna que tinha a pole, acaba deixando o carro engasgar e cai pra 16º, mas não demorou muito pra fazer mágica: Na terceira volta, já estava em 4º. Na 24ª volta ultrapassa Prost e assume a ponta até o fim. Para muitos, esta é considerada a melhor corrida da história da F1.

3 - Donington 93' - Senna larga em 4ª. Shumacher dá uma fechada nele e cai pra 5º. Na primeira curva ultrapassa o alemão. Na curva seguinte Karl Wendlinger. No meio da volta, ultrapassa Damon Hill e cola em Prost, que é ultrapassado na penúltima curva. De 5º a 1ª na primeira volta. Veja bem: Shumacher, Wendlinger, Hill e Prost... numa volta, na primeira volta.

4 - Fazendo os teste para entrar na F1, na Williams, Mclaren e Toleman, Senna faz em média 1 segundo mais rápido do que os primeiros pilotos das respectivas equipe. Quando foi fazer o teste na Brabham, equipe de Piquet, ficou um segundo acima, confirmando a previsão do Nelson, de que Senna não iria andar mais rápido do que ele.

5 - Foi o mestre da pole. Foram 65 em 161 corridas. Um recorde que durou 12 anos, quebrado pelo Shumacher, mas pra isso precisou de 236 corridas.

6 - O maior vencedor da história de Mônaco. Foram 6 vitórias, sendo 5 vezes consecutivas, de 1989 a 1993. Com isso supera Graham Hill.

7 - Senna segura Mansell por 10 voltas em Mônaco. O inglês com a histórica super-Williams fungando no cangote, Senna comprova mais uma vez que em Mônaco não havia páreo.

8 - Mansell dá carona pra Senna. Fato pitoresco, que nunca aconteceria nos dias de hoje. Senna quebra, Mansell vence a corrida e Senna sobe no carro dele, dá uns tapinhas no capacete do inglês como quem diz "Toca isso aí"... Um fiscal ainda tenta impedir a loucura, mas Senna da um chute nele e Mansell o leva até o box. Uma linda cena de Senna e Mansell no mesmo carro, daquele jeito, perigoso e inacreditável, que nos faz olhar com incredulidade, mas com um sorriso no rosto. Fique boquiaberto clicando aqui.

9 - A ultrapassagem mais bonita da história da F1 foi em cima dele. O mestre Nelson Piquet, autor do feito, disse que na hora que o ultrapassou, mandou um gesto bonito para Senna: "Vai tomar no cu".

10 - Infelizmente, ele morreu há 14 anos. Todos sabemos que quando alguém é expressivo num determinado segmento, quando morre, sobe imediatamente de status.

Piquet poderia ter representado tudo o que Senna foi, pois ambos tinham o mesmo nível de capacidade e talento. Piquet foi o melhor piloto-mecânico de todos os tempos e também era extremamente técnico, apesar de ter um quê de trapaceio. Senna era mais obcecado pelo gosto da vitória e arriscava mais do que qualquer piloto para obtê-la e de forma contrária à Piquet, optou por trabalhar sua imagem da melhor forma.

Piquet optou por não ser Senna. Piquet amava a si, seu carro e a velocidade. O fato de ser do jeito que é, definitivamente não o ajudou, afinal não é sempre que se pode falar exatamente o que pensa. Ninguém consegue conviver com alguém assim... é só imaginar alguém assim no seu trabalho.

Nelson Piquet é lembrado por ser 3 vezes campeão mundial, por suas frases polêmicas, por ser um grande mecânico e por ter tido uma briga "Lango-Lango-style" com o Salazar. Ayrton Senna é lembrado por ser 3 vezes campeão mundial, por corridas memoráveis como as que citei acima e por ter morrido tragicamente.

O mundo da Fórmula 1 é realmente complexo e no geral, Ayrton teve mais sorte e competência para lidar com todas essas nuances que construíram o período mais frutífero para o Brasil em títulos e um dos mais românticos para o automobilismo.

Por isso escolho Senna, porque além de ganhar, encantou a seu modo.

Quem viveu, viu.